É consenso: a atividade profissional de transporte e
movimentação de mercadorias é uma das mais antigas da
história da humanidade. A categoria dos trabalhadores
avulsos portuários foi uma das primeiras a se organizar, com
solidez, em sindicatos, segundo o ministro do Tribunal
Superior do Trabalho, Maurício Godinho Delgado, na obra
Curso de Direito do Trabalho.
Em contrapartida, existe aquele que trabalha na área urbana
exercendo a função de carregar e descarregar mercadorias,
popularmente conhecido como "chapa". Diferentemente dos
portuários, raramente estão filiados aos sindicatos da
categoria. E por isso ficam à mercê da sorte.
O nome "chapa" vem do costume de o trabalhador, para
oferecer seus serviços aos caminhoneiros que trafegam nas
rodovias, usar pequena placa (chapa) de madeira, papelão ou
metal com os dizeres: "ajudante", "descarrego mercadoria",
"carga e descarga", entre outros.
A matéria especial desta semana é sobre esse trabalhador, a
difícil tarefa executada por ele e a falta de amparo legal a que
está sujeito.
Até há pouco tempo, os chapas, incluídos na categoria dos
trabalhadores avulsos, não tinham nenhum direito previsto
na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Mas a
Constituição Federal de 1988 concedeu-lhes os mesmos
direitos do empregado comum, no artigo 7º, inciso XXXIV -
que trata da igualdade de direitos entre o trabalhador com
vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.
Trabalhador avulso é aquele que "presta serviços a inúmeras
empresas, agrupado em entidade de classe por intermédio
desta e sem vínculo empregatício", na definição de Valentim
Carrion, magistrado e professor de direito.
Os chapas exercem sua atividade muitas vezes como
ajudantes e atuam em diferentes segmentos empresariais. É
possível encontrá-los nas Centrais Estaduais de
Abastecimento (Ceasa) de todo o Brasil, carregando e
descarregando caminhões de diversas empresas, como
distribuidoras de bebidas, hortifrutigranjeiros, e várias
outras.
É comum encontrá-los às margens das principais rodovias
que dão acesso às grandes capitais, como São Paulo, com
cartazes, oferecendo seus serviços - que além do
descarregamento, inclui levar o caminhoneiro até o destino
da carga, uma vez que as cidades são imensas e os endereços
de difícil localização.
Dura realidade
Todos os dias é a mesma coisa, os caminhões chegam de
diversos pontos do país trazendo mercadorias de toda
espécie. Os motoristas estacionam em dois postos de
combustível nas proximidades do Ceasa de Brasília, para
descarregá-las, e já sabem onde podem encontrar os chapas,
pois estão ali pelas redondezas, aguardando serviço. O preço
é combinado previamente, mas nem sempre os chapas
conseguem trabalho.
Geralmente a falta de opção, a baixa escolaridade e até
mesmo a perda do emprego formal levam homens de todas
as procedências a encarar a profissão, embora muitos a
tenham apenas como um "bico".
O senhor Elias é um deles, tem 60 anos, a maioria deles
trabalhados como chapa, descarregando mercadorias. E
segundo ele, não é por falta de opção, pois poderia trabalhar
com carteira assinada. Mas prefere assim, porque consegue
ganhar bem mais que o salário mínimo. Por um dia de
trabalho recebe R$ 150 - e não o faz por valor menor -, mas
não contribui para a Previdência Social.
Seu colega, Paulo, tem 43 anos e é responsável pelo sustento
de quatro pessoas. Há sete anos trabalha como chapa pelo
mesmo motivo do senhor Elias: consegue ganhar bem mais
que o salário mínimo, insuficiente, segundo afirmou, para
manter a família. Também não quer mais emprego com
vínculo, embora saiba não ter qualquer direito trabalhista ou
previdenciário.
"Consigo pagar minhas contas e vou levando assim",
desabafou. "Bom mesmo é trabalhar no Posto fiscal de Santa
Maria (próximo a Brasília), pois lá não falta trabalho, aqui
pegamos só a rebarba."
Acidentes
Paulo conta a história de um chapa que se acidentou quando
descarregava mercadoria de um caminhão, quebrou a perna
e os colegas tiveram que fazer uma "vaquinha" para ajudá-lo,
durante os dias em que não pôde trabalhar. Outro colega
morreu vítima de acidente de trabalho, quando uma parte do
caminhão que descarregava caiu sobre ele e ninguém - nem o
proprietário da mercadoria ou o caminhoneiro - se
responsabilizaram pelo ocorrido. "Todos pularam fora e a
família ficou desamparada", afirmou.
São comuns os acidentes com esses trabalhadores quando
têm que "tirar os grampos dos caminhões". Paulo mesmo já
foi vítima, e teve que ficar três dias sem trabalhar.
Sem contar que com passar do tempo, começam a sofrer com
problemas na coluna, pelo excesso de peso que são obrigados
a suportar. Indagados sobre a existência de algum sindicato
que os representasse, para garantir seus direitos legais,
disseram desconhecer.
Lei nº 12.023/2009 foi um marco para a categoria
Com a edição da Lei nº 12.023/2009 - que dispõe sobre as
atividades de movimentação de mercadorias em geral e sobre
o trabalho avulso - os chapas foram equiparados ao
trabalhador avulso portuário.
Um dos avanços trazidos pela Lei foi organização da
atividade pelos sindicatos, responsáveis por elaborar a escala
de trabalho e as folhas de pagamento dos avulsos, com a
indicação do tomador do serviço e dos trabalhadores que
participaram da operação, devendo prestar, com relação a
estes, as seguintes informações: números de registros ou
cadastro no sindicato; serviço prestado e turnos trabalhados.
Quanto às remunerações pagas, devidas ou creditadas a cada
um dos trabalhadores devem ser registradas as parcelas
referentes a: repouso remunerado, Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço, 13o salário, férias remuneradas mais 1/3
constitucional, adicional de trabalho noturno e adicional de
trabalho extraordinário.
O artigo 3º traz a possibilidade de as atividades serem
exercidas por trabalhadores com vínculo empregatício ou em
regime avulso nas empresas tomadoras do serviço.
Para o subprocurador-geral do Ministério Público do
Trabalho (MPT), Ronaldo Fleury, "sem dúvida a Lei nº
12.023/2009 foi um marco para a categoria que antes estava
totalmente desamparada".
"Veio justamente para tentar dar um pouco de formalização
para essa atividade, até então, absolutamente informal. Não
existia nada sobre chapa, apenas um decreto, do ministro da
Previdência, falando do trabalho. Não tinha legislação
nenhuma."
A Lei estabelece deveres do sindicato intermediador e do
tomador de serviços e ressalta que as regras ali presentes não
se aplicam ao trabalho avulso portuário, regulado pela Lei nº
8.630/93 (Lei dos Portos).
O subprocurador afirmou que o controle e a gerência da mão
de obra fora dos portos são realizados pelos vários sindicatos
já existentes. Como exemplo, citou as cidades de Santos (SP)
e Rio de Janeiro (RJ) que, além dos sindicatos de portuários,
já contam com sindicatos de avulsos urbanos que trabalham
na intensa movimentação de mercadorias do lado externo do
porto.
Ele esclarece que, em Santos, nas estradas que dão acesso à
cidade, estão localizadas as áreas retroportuárias, não
pertencentes ao porto, onde existem terminais de empresas
com inúmeros containers, cuja movimentação é feita pelos
chapas.
O subprocurador faz um alerta: as empresas de mudanças e
armazenagem de cargas não podem utilizar o trabalho dos
chapas para realizar o carregamento e descarregamento. Pois
a atividade-fim dessas empresas é a movimentação de
mercadorias, e os trabalhadores que exercem as atividades
precisam ter vínculo de emprego.
Nesse caso, de acordo com Fleury, o MPT investiga e, se
constatada a fraude, ingressa com ação civil pública.
"Examinamos o caso concreto, porque pode ser uma empresa
que realmente está fazendo um trabalho eventual." Ele citou
o exemplo de uma empresa de refrigerantes, que faça
distribuição eventual em pequenas cidades. Disse que não
faria sentido ter funcionários contratados à disposição para,
apenas uma vez por semana, descarregar um pequeno
volume de mercadorias. "A atividade fim dela não é a
movimentação de carga, é a produção e a venda de
refrigerante", afirmou.
Fonte: TST
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